A gente fica mordido num fica? Acho que foi com esse verso de Zero, que está no primeiro álbum lançado dela, que conheci a voz e a arte de Liniker.
Liniker, cantora, produtora, atriz, mulher trans e preta, me conquistou lá em 2016 quando ainda compunha a banda Liniker e os Caramellows. Hoje, lançando seu primeiro álbum solo, Indigo Borboleta Anil, Ela continua fazendo essa música que mistura clássico, arranjos bem ricos, e ao mesmo tempo moderno e contemporâneo.
Bom, quando a gente segura o álbum a gente já entende que é arte pura! Na capa vemos Liniker na beira do mar, com um look todo branco, lindíssimo, e quando a gente abre e se depara com um disco azul translúcido, encarte que parece ser escrito à mão, com desenhos simples e autorais, dela mesma, eu me sinto entrando no íntimo da artista, senti que tudo ali foi pensado para que nos sentíssemos abrindo um diário que é mantido com muito esmero.
E é só começar a escutar as faixas, que a gente começa a se deliciar com composições tão únicas. O álbum é um rio de subjetividade, ela brinca com todas as figuras de linguagem, ela conta histórias em forma de poesia cantada, e na música Lalange ela nos conta, narra mesmo uma história.
Conseguimos escutar Liniker explorando várias vozes, o tom mais agudo em Psiu, mais grave em Lua de Fé, e até com efeitos autotunados em Lili.
E não foi só eu, escutando esse disco aqui em casa que achei o projeto maravilhoso, Milton Nascimento, que faz participação em uma das músicas, entendeu e veio ajudar a compor essa obra prima!
E além de tudo isso, o que eu acho que eu consigo deixar como contribuição mais importante sobre essa artista multifacetada, que é a Liniker, é uma análise quase psicanalítica , do que ela se propõe a fazer em Indigo Borboleta Anil, que é expor o íntimo, o vulnerável, o humano! A última canção, Mel, é uma faixa bônus, que se inicia com Liniker conversando com outro produtor, no estúdio, afinando o violão, escolhendo o tom, ajustando… E acho que o quê o artista pode nos trazer de mais poderoso, é não somente o produto final, mas o processo, a construção dos códigos e linguagens.
Muito recentemente, assisti à uma entrevista com Liniker e Linn da Quebrada para a secretaria municipal de cultura de São Paulo, e elas nos falam sobre o cansaço da representatividade e de fazerem o que fazem.
E eu consegui ver isso nesse disco, será que como ouvintes a gente consegue imaginar a exaustão em construir algo tão íntimo? Como é que é por pra fora em forma de música o seu avesso? Só consigo ser grato, pois cada vez mais procuro artistas que mostram as entranhas, as dores, as lutas, e a humanidade!
Eu não sei o que me chamou tanto a atenção lá em 2016, na primeira música que ouvi da Liniker, Zero, pode ter sido os vocais fortes, o arranjo clássico e contemporâneo ao mesmo tempo, as frases que geralmente não viram músicas, mas ela fez virar, enfim… esses mesmos elementos lá em Remonta, continuam em Indigo Borboleta Anil, e estão melhorados, por que dá vontade de conhecer mais, ouvir mais, e esperar por o quê mais está por vir, de Liniker.
João Victor
é bacharel em Odontologia pela Universidade Federal de Uberlândia, mas largou a vida clínica para ser professor de língua inglesa e yoga. Amante de arte, música e cinema. Um homem gay que sonha com um mundo mais justo e mais cheio de amor.@joaovictorsmv