Cresci e cresço permeado de música. Com o tempo amadureci a percepção acerca da beleza singular da gravação analógica: o disco de vinil, grande técnologia de reprodutibilidade; por décadas, um dos mais importantes veículos de difusão da arte sonora.
Fôra no final de minha adolescência que, talvez finalmente, fui tocado pela obra de Caetano Veloso. As sutilezas das harmonias no violão; a lírica que conjura tristeza e alegria – sem qualquer paradoxo.
Lançado simultaneamente com o Qualquer Coisa, Jóia de Caetano Veloso foi lançado em 1975, sendo o sétimo disco solo do artista. Dando continuidade à sua MPB singular, o disco possui elementos da bossa-nova, música afro-brasileira, samba e rock n’ roll sessentista; sua poética, sofisticada mas de grande permeabilidade popular, segue as influências do modernismo brasileiro – consumada pela sua última faixa, de coautoria com Oswald Andrade, o samba Escapulário. Em sua primeira tiragem, a capa do vinil consistiu na imagem centralizada de Caetano, Dedé, sua primeira esposa, e Moreno, seu filho; pessoas despidas. À esquerda, um sol, nascente ou poente, e uma pomba indo em sua direção. Cobrindo a genitália de Caetano, duas outras pombas, rimando com o escorço de sua companheira apolínea. À direita, uma lua, crescente ou minguante, sozinha. No verso do encarte, uma foto de família, com o casal sentado no chão sorrindo para sua criança em pé; todas nuas. Sendo comprovado pelo cover de Help dos Beatles, tal capa é deliberadamente inspirada no Two Virgins de John Lennon e Yoko Ono, lançado em 1968. Se este último disco foi polemizado, Jóia foi vítima de censura da Ditadura Civil Militar Brasileira. A capa precisou ser modificada, restando apenas as três pombas – gesto pacífico do tropicalismo.
Caetano Veloso sempre foi explícito em seu trabalho de bricolar as mais diversas referências, constituindo, assim, uma obra única; a segunda polêmica, a de plágio da capa de John Lennon e Yoko Ono, é patética. A arte em geral sempre se constituiu no deslocamento e realocamento de conceitos, formas e poéticas; e Caetano sempre foi um mestre em conjugar o popular, o culto e o industrial; uma peça fundamental e fundadora da música popular brasileira recente.
Ian Abrahão
(Como disse Jack Will, acerca de si mesmo) é nascido, crescido e exilado em Uberlândia, Minas-Gerais. Com formação em filosofia; poeta; tendo um ou outro trabalho na área de audiovisual. Busca a transversalidade das disciplinas; da estética, do pensamento.
@sount_bloom