Desde os meus 14 anos de idade eu já tinha cabelos longos, compridos e fazia cara de rebelde. Curtia muito rock nacional. O que era comum na época, na década de 80. Eu morava num bairro chamado Jardim França que era na zona Norte de São Paulo. Eu passava a maior parte do dia pelas ruas com um grupo de amigos à procura de aventuras juvenis. Amizades essas que duram até hoje. Neste bairro, existia um clube pequeno chamado Acre Clube que foi fundando em 1959. O clube organizava aos domingos as famosas domingueiras onde rolava os encontros das galeras que iam dançar e curtir as músicas preferidas como black music, rock progressivo, punk e entre outras. E tinha o momento das músicas lentas, quando os rapazes convidavam as meninas para dançar num ritmo agarradinho, com o rosto colado. Era um suadeira que só. E quando saia um beijinho era o máximo da noite. Neste clube que assisti pela primeira vez o show de uma banda de rapazes que se chamava Titãs. Acredito que em 1985. A banda ainda não era ainda tão famosa. Tanto que o salão nem lotou. Isso eu me lembro. Tenho certeza. O integrante da banda que me identifiquei logo de cara foi o Arnaldo Antunes. O cara já possuía um estilo bem diferente, pelo corte de cabelo raspado na lateral. E tinha uma cara de assustado quando subia ao palco. Quando ele dançava durante as apresentações fazia aqueles passos totalmente fora do ritmo das batidas. Ele era muito louco mesmo. E eu curtia isso. Até tentava ficar copiando suas roupas e a forma de dançar quando eu ia nos bailes dos amigos. A formação da banda na época era com Arnaldo Antunes na voz, Branco Melo voz, Charles Gavin bateria e percussão, Marcelo Fromer na guitarra, Nando Reis na voz e baixo, Paulo Miklos voz e baixo, Sergio Britto teclado e voz e o Tony Bellotto na guitarra. Década de oitenta existiam bandas incríveis como Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Legião Urbana, Sepultura, e entre outras. E que década! Em julho de 1986, um m6es antes de eu passar a maior idade foi lançado o terceiro LP da banda que chamava Cabeça Dinossauro. Logo que soube eu não perdi tempo. Fui correndo comprar na loja Hi-Fi Discos que ficava na rua Augusta. A capa do LP veio com um gravura que era uma cabeça de um homem meio tribal com traços medievais, toda deformada, bem sinistra, que anos depois eu descobri que foi inspirada numa obra do artista Leonardo da Vinci. E o título vinha escrito na cor vermelha, com letras de estilo medieval também. Que ornou com aquela figura do homem gritando e com a língua para fora. As canções eram um mistura de ritmos punk e rock e rock e punk. Umas batidas muito fortes e envolventes. Todas as canções eram incríveis e não é à toa que vendou mais de 700 mil cópias e rendeu um disco de ouro logo no primeiro ano de seu lançamento. Quando tocava nas domingueiras do Acre Clube o bicho pegava. O salão virava uma espécie de campo de batalha. Um empurra-empurra, chutes misturados com saltos descoordenados para todos os lados. O ritmo das batidas e os gritos bem fortes. Era muito legal. Ninguém brigava. Era uma energia incrível. Todos aqueles corpos desconhecidos se esbarrando e cantando aos berros os refrões das canções preferidas. Posso afirmar com toda certeza que o LP Cabeça Dinossauro de 1986 dos Titãs é um dos mais importantes e marcantes de todas as épocas até hoje.
Marco Paraná
é antropólogo, pesquisador e documentarista. @marcoparanaparana