1982, eu tinha 10 anos, e chegava nas lojas o disco As Aventuras da Blitz. Eu fiquei muito impressionado com a forma com que o grupo se apresentava, uma forma meio de festa, com a linguagem um pouco cabeluda, citando o próprio disco. Mas o que mais me impressionou nesse disco foi que havia duas músicas riscadas: Ela quer morar comigo na lua e Cruel cruel esquizofrenético blues. Isso me chamou muito a atenção porque me fez lembrar que a gente vivia, em 1982, ainda em plena ditadura no Brasil e a censura era ativa. Os músicos não podiam fazer o que eles queriam. Os brasileiros não podiam ouvir o que eles queriam. A gente não podia ser quem a gente queria ser. Se de lá para cá a coisa evoluiu, fica como uma questão. Mas eu me lembro de colocar o disco no meu toca-discos e tentar escutar, pular a agulha em cada trechinho que não havia sido riscado no LP para ver se eu conseguia escutar alguma coisa da música. Então, ao invés de impedir que a gente ouvisse, esses riscos que eram extremamente aparentes e duros, eles incitavam a nossa curiosidade para que a gente se aproximasse mais daquela mensagem que estaria naquelas duas músicas e as pessoas acreditavam que não seriam importantes para nós, ou melhor, não seriam decentes para o público brasileiro. Eu passei muitos anos querendo ouvir essas duas músicas e hoje, hoje a gente acesso a elas, à letra e tudo que eles queriam dizer naquela época. A capa do disco… ela foi desenhada como se fosse uma história em quadrinhos e transformar os cantores em personagens garantia ainda mais a qualidade dessa nova banda que surgia porque não era só uma banda de pessoas comuns. Era uma banda de personagens. E para mim, vivendo a minha adolescência era mais fácil eu me conectar a personagens, era muito mais fácil do que me conectar a adultos. E acho que isso também… adultos que tem essa tendência de adultos gostarem de quadrinhos é muito mais fácil, é muito mais simples a transferência. Essa transferência a uma entidade, muito mais do que a uma pessoa. E a Blitz dava conta disso. Dava conta disso no visual e também na canção. É engraçado isso. É claro que seria uma banda totalmente vigiada pela censura porque… porque ela fomentava a alegria.
Wagner Schwartz
é artista, coreógrafo, possui vasta atuação em festivais de dança e teatro, parceria com reconhecidos coreógrafos, diretores e cineastas.
@wagner.schwartz