Eu tinha 11 anos quando na casa de uma colega vi esse disco em cima de um piano. O contraste da madeira escura com a cor rosa do disco me chamou a atenção. Perguntei de quem era. Ahhh é da Rita Lee. Tutti Frutti. Tutti Frutti? Meu sabor preferido do chiclete na época. Perguntei se podia olhar. Fiquei um tempo apreciando os detalhes da fotografia da capa. A penteadeira cheia de objetos, os lenços, os tecidos coloridos pelo chão do quarto. A meia calça e a sandália da cantora amarrada como uma sapatilha de ponta. Naquela época eu fazia balé. Abri a capa e me deparei com uma grande foto da banda iluminada em contra-luz. Cabelos compridos, botas, instrumentos musicais e um figurino inusitado. Entendi que Tutti Frutti era a banda… formada por seis músicos homens e a Rita Lee, que posava com um passarinho na ponta dos dedos.. Vamos escutar? Ela tirou o disco da capa, colocou na vitrola e fez um movimento de fechar os olhos balançando um pouco a cabeça, mexendo os dedos como se estivesse dedilhando ao piano junto ao início da música… dance, dance, dance… gaste um tempo comigo… dançamos na sala, livres, feito a bailarina Isadora. Permeadas pelos acordes da guitarra, som do contrabaixo, backing vocal e os efeitos do sintetizador pensávamos estar num cabaré francês.
O disco é de abril de 1975. A arte da capa lembra os letreiros luminosos em neon da fachada de pubs. A ilustração que preenche toda a capa e contracapa me pareceu uma garra de tigre, com uma unha ou um saca-rolha perfurando uma maçã. O fruto proibido?
Oito faixas e 37 minutos de um som que me marcou profundamente. Lembro de escutar cada música vendo a imagem da Rita, sentada na poltrona com um cigarro na mão e olhando diretamente para mim, me dizendo sim. Sim, eu sou que canto. Sim, sou eu que componho. Sim, sou eu no violão acústico. Sim, sou eu nessa banda de rock. Tirei o encarte. Li todas as letras. Ia acompanhando a música, percebendo os arranjos, os riffs e os solos de guitarra. A caixa da bateria pulsante e suingada ecoava na sala enquanto gritávamos… quem é ele? Esse tal de roque enrow? Uma mosca, um mistério, uma moda que passou. Parecia que a Rita Lee, o Marcucci, o Carlini, o Franklin Paolillo e os irmãos Nardo estavam ali presentes conosco, tamanha era a sonoridade que nos circundava. No piano a gente via o Guilherme Bueno tocando o maior hit da Rita Lee: Ovelha Negra. Não adianta chamar, quando alguém está perdido, procurando se encontrar. Como fez sentido ao longo da minha adolescência. Como faz sentido todos os dias.
Daniela Franco Carvalho
é apaixonada por museus, samba e corações. Em amores com @betoclick. Professora universitária e pesquisadora em educação.
@aurabordeaux