Para grande parte dos artistas que alcançaram uma grande visibilidade e repercussão positiva no álbum de estreia, o sucessor pode vir a se tornar um divisor de águas. Se o primeiro foi tão bom, seria ideal manter a mesma fórmula ou tomar outra direção?
Críticos costumam usar muito a expressão “passou no teste do segundo disco” e Pitty fez isso com louvor em 2005 com seu “Anacrônico”, sucessor de “Admirável Chip Novo” que a apresentava as rádios brasileiras e a MTV dois anos antes.
Ambos foram lançados pela Deckdisc, que naquela época era a gravadora que não tinha medo de apostar em novos artistas. E a aposta em Pitty foi tão certa que 17 anos depois “Anacrônico” continua relevante, ganhou edição especial em vinil em 2021, lindo, vermelhão, 180 gramas de bom gosto. E Pitty segue produzindo como poucos artistas de sua geração e seu trabalho não se prende a um estilo. A “princesa do rock” se permitiu quebrar paradigmas.
Somos quase da mesma idade, sou um ano mais velha que ela. Imagino que compartilhamos de algumas angústias, revoltas, desejos e dúvidas próprias de “nosso tempo”. Por isso, aos 28 anos eu ouvia “Anacrônico” com muita propriedade e Pitty alcançava o sucesso em um mercado cruel com mulheres nessa faixa etária. Pitty incentivou muitas outras e segue única em sua diversidade.
Recebi o single da gravadora – cópia promocional em vinil hoje autografado pela banda – com a música título antes de o disco chegar às lojas. Nela um rock que que começa despretensioso e ganha força no refrão com ótimos riffs e uma letra que fala de mudanças e tudo que elas podem implicar. No videoclipe a artista está num manicômio em que seus valores são substituídos pelos atuais, e manipulada como uma boneca.
A arte da capa e miolo são de Edinho Sampaio e trazem, segundo Pitty, as “drongas”, que dependendo do olhar poderiam ser garotas de hoje com um toque retrô ou mulheres retro com um toque futurista, dialogando com o título escolhido.
Pitty compôs praticamente todas as músicas sozinha no disco, marcado pela saída do guitarrista Peu Souza e a entrada de Martin, único integrante desta fase que segue com Pitty.
Mas nada havia preparado os fãs da roqueira baiana para a balada “Na sua estante”, faixa 2 do lado B do álbum que saiu com 13. Sucesso radiofônico que ganhou versões em diversos estilos, até hoje entre as mais pedidas nos shows.
Afinal, o disco abre com “A Saideira”, porrada, pé na porta, como “De você”, “Memórias” e “Aahhh…!”, uma inserção claustrofóbica que abre caminho para a primeira composição em inglês da cantora, “Ignorin’ U”.
Pitty fala pouco de amor, fala muito de conflitos inerentes ao ser humano. Minha faixa favorita vem na sequência, “Brinquedo torto”, que, como toda boa música, tem o poder de te transportar exatamente para onde estava quando a ouviu pela primeira vez e de certa forma segue fazendo sentido. Os shows dessa turnê foram revigorantes e as músicas de “Anacrônico” seguem atemporais.
Adreana Oliveira
é jornalista, roqueira e mestre em Tecnologias, Comunicação e Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Destaca o jornalismo cultural em suas várias nuances no site www.uberground.com.br.
@adreanaoliveira