Tim Maia deveria ser sinônimo de “muito”. Com ele, era tudo na base do exagero, inclusive no que dizia respeito a drogas e álcool. Não à toa, ele morreu cedo demais, com apenas 55 anos de idade, em 1998.
E mesmo quando esteve longe desses excessos que eu mencionei, ele exagerava com outras coisas. Foi assim que ele se converteu do nada à Cultura Racional e fez os discos “Tim Maia Racional”, com dois volumes lançados em 1975 e um terceiro, que é póstumo, em 2011.
Quando Tim começou a fazer os álbuns dessa fase, a Cultura Racional não fazia parte da vida dele. Em julho de 1974, as bases das músicas que formariam um disco duplo já estavam todas prontas quando ele visitou a casa do amigo músico Tibério Gaspar. Lá, ele viu o livro “Universo em Desencanto” – que propaga essa doutrina -, se interessou e acabou se convertendo.
Mas em que consiste a Cultura Racional? Derivada da Umbanda, essa doutrina diz que os seres humanos estão exilados na Terra, onde eles levam uma vida “suja”. A salvação é a imunização racional, onde discos voadores nos resgatariam após serem exercidos os ensinamentos desse livro que citei, “Universo em desencanto”.
A Cultura Racional entrou tão forte na vida de Tim que ele largou as drogas e o álcool, regrou a alimentação e – como eu disse, sempre na base do exagero – fez todo mundo de sua banda e até da família se adequar àquele novo estilo de vida. Agora, todo mundo tinha que ler os livros e usar roupas brancas. Se essa roupa tivesse estampa, só podia ser com referência à própria doutrina, como aquelas imagens de portas se abrindo para o infinito que aparecem na capa dos álbuns.
Os discos foram concluídos, mas a gravadora de Tim rejeitou o projeto. Ele não quis ceder, então ele rompeu o contrato e criou um selo próprio, o Seroma, para lançar o projeto. Se a gente ignorar as letras, “Tim Maia Racional” é um dos melhores trabalhos de Tim Maia, senão o melhor. Por estar sóbrio e saudável, ele cantou como nunca na vida. O repertório também era de extremo bom gosto, mesclando ainda mais o funk e o soul americanos às influências da música brasileira. Era uma evolução, um passo além do que Tim havia feito em seus quatro primeiros discos.
Um dos destaques é “Que Beleza”, que aparece em duas versões: uma quase reggae na abertura do primeiro disco e outra mais funky no encerramento do segundo. Outro grande momento é a irresistível “Bom Senso”, marcada pela cadência rítmica. Temos ainda “Rational Culture”, com letra em inglês e forte influência do gospel americano. O slow-funk “O Caminho do Bem” e a quase roqueira “Guiné Bissau, Moçambique e Angola Racional” também são do tipo de música que pegam de primeira.
Fato é que a fase Racional não durou muito: os álbuns não venderam nada, os shows se esvaziaram e Tim logo se desentendeu com Manuel Jacinto, o fundador da doutrina. Ele tirou de circulação todos aqueles discos, que acabaram virando itens raríssimos e desejados por colecionadores de vinil do Brasil e até de outros países.
Mas foi um período tão produtivo que algumas músicas tiveram até que ficar de fora daqueles dois álbuns. Assim nasceu o “Volume Três”, lançado em 2011 com essas sobras de estúdio. Esse terceiro volume causa controvérsia, pois algumas pessoas próximas a Tim dizem que ele não gostaria nada de saber que seus trabalhos renegados estavam gerando novos lançamentos.
Mas fato é que existem não apenas dois, existem três discos da série “Tim Maia Racional”. E todos eles são fantásticos.
Igor Miranda
é jornalista musical apaixonado por rock e heavy metal. Edita o site próprio IgorMiranda.com.br após passagens por veículos como Correio de Uberlândia, Whiplash.Net, portal Cifras e revista Guitarload.
@igormirandasite